08/06/08

Barca à vista!

painting by Nancy Poucher


com uma grande paz eu sonho já até a cor da barca


é da cor dos meus rios interiores e do meu mar


azul.





FIM

27/05/08

Epílogo (ou apocalipsis?).

foto by Mila Petrillo


os meus olhos partidos de boneca, choram todos os filhos que esqueceram a palavra mãe.


os meus olhos de mulher envelhecida, fixam o palco. - enquanto a barca não vem.

25/05/08

aos amigos, aos inimigos e até aos outros.

smoking-cigarretes by come2beautiful

enquanto a barca não vem, chega na mesma o tempo de ir embora. por não o saber dizer tão bem, deixo-lhes o que sinto nesta hora em verso escrito por quem foi alguém e, no entanto, também ninguém chora. ah, mas ele sabia isso bem. antes, muito antes de se ir barra fora!


do Opiário de Álvaro de Campos - fragmento

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Ah quanta alma viverá, que ande metida
Assim como eu na Linha, e como eu mística!
Quantos sob a casaca característica
Não terão como eu o horror à vida?

Se ao menos eu por fora fosse tão
Interessante como sou por dentro!
Vou no Maelstrom, cada vez mais pró centro.
Não fazer nada é a minha perdição.

Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente desprezar os outros
E, ainda que co'os cotovelos rotos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

Tenho vontade de levar as mãos
À boca e morder nelas fundo e a mal.
Era uma ocupação original
E distraía os outros, os tais sãos.

O absurdo, como uma flor da tal Índia
Que não vim encontrar na Índia, nasce
No meu cérebro farto de cansar-se.
A minha vida mude-a Deus ou finde-a ...

Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
Até virem meter-me no caixão.
Nasci pra mandarim de condição,
Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.

Ah que bom que era ir daqui de caída
Pra cova por um alçapão de estouro!
A vida sabe-me a tabaco louro.
Nunca fiz mais do que fumar a vida.

E afinal o que quero é fé, é calma,
E não ter estas sensações confusas.
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas —
E basta de comédias na minh'alma!
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ciao! :)

20/05/08

Uma flor de agradecimento

a Blessing of the water

foto de madalena pestana

a todos os amigos que pensaram, mandaram mails e visitaram este espaço, durante esta fase de olhar baço.

17/05/08

Sexy Sócrates y su cigarrillo

photo by Muscovite

não falo dos cigarros e explicações de Sócrates - o puritano, porque...não me ocorre nada (sempre que penso nele).


16/05/08

Vasco Pulido VALENTE

Vasco Pulido Valente _ Autor desconhecido

Vasco, meu conhecido, não acredito que amigo, os meus parabéns pela tua iniludível inteligência, tanto a avaliar o acordo ortográfico como a desmontar as ridículas desculpas de Sócrates por ter fumado um cigarro.

Vasco, porra, em que catequese andaram eles????!!!

Parabéns, meu escorpião de uma figa! :D

14/05/08

Sócrates-Simplex. cegueira e códigos de conduta

foto imagine

meu caro Senhor Sócrates, é com grande esforço que alinhavo estas linhas, aqui na Junta de Freguesia, porque o dinheiro para a Net já o Senhor me comeu todo em impostos e, estou tão cega como a menina da imagem acima, ainda com a agravante de não ter a idade dela e ter de trabalhar até poder, por ordem sua, para tapar o buraco do défice que meia dúzia de cromos criaram para o País total. porque à minha também deficitada conta bancária é que o dinheiro da Europa nunca foi parar.

tive o azar de ter um acidente no olho esquerdo, mas nem isso me faz olhar mais à direita porque o outro tem uma catarata que quase o cega já. o tempo do quase? ou vou a nado para Cuba ou cega mesmo.

isto para dizer que pela primeira vez usei o meu direito aos hospitais civis. urgência de oftalmologia. se não fossem as dores, ia a sorrir porque ia encontrar médicos competentes e... SIMPLEX.

o 1º médico podia até ser competente mas... estava a pensar numas perdizes em azeite que o esperavam e aos amigos para uma patuscada ao almoço, antes de ir facturar para a clínica privada. paguei dez euros por esse prazer e mais remédios, que me permitiram trabalhar quinze ou mais dias a ganir com dores, até rebentar outra úlcera.

8.30h am. - desta vez foi um médico, ainda não habituado a perdizes, felizmente. olhou. medicou, mandou tapar o olho (tudo o que o outro não fez...). mais dez euros. novos remédios e os outros para a reciclagem...

depois foi só SIMPLEX...

andar cega pelos passeios cheios de automóveis. fazer compras para sobreviver uns dias e ter de pedir no supermercado que me ajudassem, que fossem os meus olhos (eu não tenho família, Senhor Sócrates, não sou rica, tá a ver?...).

10.30h am - fui ao serviço. a esse fui lá pelo tacto. mais de vinte anos a viver ali. mas convinha que me vissem, não fossem pensar que era ronha. instalou-se de novo na nossa sociedade a desconfiança geral. obrigada, nosso Primeiro.

a seguir foi mesmo SIMPLEZ. caramba, até que enfim ia conhecer o tipo!

a baixa era necessária, que com os olhos tapados pode-se até votar mas, ainda ninguém computa e a ordem era penumbra total.

- volte cá às 2.30h (pm) para marcar consulta. para baixa tem de ser com o médico de família.

já a tremer de dor apontei para o olho, ao autómato falante.

- vá ali ao balcão pode ser se elas...

SIMPLEX. fui.

- ah, o seu médico hoje está no complementar. venha cá às 3h da tarde e tente falar com ele. mas venha mais cedo a ver se o apanha antes de começar as consultas. ele tem de autorizar por escrito.

- obrigada - respondi porque fui educada assim.

cheguei a casa onde a cadela esperava uma carícia e eu nem a via. atirei-me para a cama a soluçar. de dor. de solidão e de SIMPLEX.

às 4 horas da tarde tinha a baixa na mão. o médico, pelo menos, foi decente e desceu para tratar ele da autorização, sem eu ter de subir e descer mais duas vezes do r/c ao segundo andar e vice versa.

agora era ir de novo à farmácia. atravessar as ruas pejadas de carros (mande abrir mais pontes sábio Sócrates!), encontrar o poste de correio para mandar o papel da baixa ou, nem um chavo, já sem ver nada e esperar que um táxi me visse a mim através dos carros mal estacionados, sem me passar por cima.

consegui. SIMPLEX!

o código de conducta? deduzam o que quiserem.

ainda liguei para o serviço a dar a data da baixa.

- melhoras. vamos precisar do papel...

- pois...

caro Sócrates, o segundo, que o Primeiro foi sábio de facto. assim não. e esta é só uma de muitas que, por estar a ditar, não posso dar-me ao luxo de abusar.

em si não voto MESMO. eu e muitos. leve o SIMPLEX para casa e volte a ser engenheiro. quem sabe nisso é bom?...

eu, nem que seja para não me abster. voto até no Jardim quer seja candidato ou não. pelo menos diz asneiras e faz rir.

Senhor Sócrates, mais deprimente que a sua governação só me lembro do antigamente. e outra vez o mesmo, NÃO!

sempre a considerá-lo.

madalena



PS _ SIMPLEZ II _ a receita de perdizes em azeite



imaginem só, não havia o jovem médico de trocar os meus sofridos olhos por isto?


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leitura do dia:

Poema enjoadinho

03/05/08

leitura da noite

image by didierpagan



Se te queres matar


Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...

Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...

E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;

Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...




Álvaro de Campos

27/04/08

Enquanto a Barca não vem...

photo by Eric Hamilton



caiu ____ a última gota

não há espanto nem revolta

caiu ____ no dorso do tempo

com o silêncio como escolta



nada ____ consigo o prodígio

de ter o cérebro vazio

ter mais ____ nada ____ para dizer

aspiração ____ absoluto

descanso mais que merecido


uma palavra ao ouvido

de quem passar por aqui


- Enquanto a Barca não vem

façam Amor ___ sejam Paz

incomodem toda a gente

destronem a hipocrizia

derramem tanta ____ alegria

como dor ____ no rio corrente

esse ____ o que vai dar ao mar.



única urgência

- a mesma fúria ____ boa ____ Adolescente!

no amar ____ e no lutar.





Madalena Pestana

no canto do medo. canto.

Madalena Pestana no espectáculo "Nós Não Estamos Algures"


ofereço-me. e ofereço-me sempre alguns minutos de medo. como em menina

hoje. como aos vinte anos.

três minutos. não mais. o resto é o enfrentar o Coliseu e ver chegar as feras.

vêm de dentro

as feras. do Coliseu a que nos expomos. seremos nós quem ruge

bem no fundo

ancestrais temores a coisas novas. a desafios maiores?


não sei. não me apetece pensar. hoje menos que ontem. bem menos que amanhã

desejo meu!

enjoei de pensar. já lá vão tantos anos desde que comecei. como terá acontecido?

coisas de solidão

os ocupados de gente precisam pensar pouco. há o ruído em volta

a cabeça enche fácil

e o pensar fica com pouco espaço. para dançar palavras. como sangue a ferver


photo by yannic schon


quero é deixar que o sangue ferva

como com vinte anos magros e atentos que tive e tenho

(mais quantos outros mais?)

todo o tempo era meu. e eu a pensar. a amar e a pensar. a desejar e a pensar


basta!

vou amar. desejar. ferver sangue como animal que sou e deixar que outros pensem

nada serviu de nada.

o que pensei passou. já nem eu lembro. não deixou resto ou rasto para seguir.

o que amei é meu.

o que doeu. dói. o que foi riso. ri. as lágrimas não secam. e o sangue. ah, o meu sangue

ainda não coagulou e há-de dançar de roda

uma última dança louca. ao amor louco e vivo. ao calor último. ao motor do viver.

um tango. uma valsa. um outro jogo de entrelaçadas pernas

até amanhecer. até anoitecer. até enlouquecer. até cair de sono

(olhando para o passado. tendo por trás a barca. como amiga fiel.)

ou em intenso espasmo. prazer alucinado. simplesmente. morrer.