24/04/08

porque estou cega demais para escrever

O-Mar-por-Horizonte foto de Olga Gouveia


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Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.

Ah, quem sabe, quem sabe,
Se não parti outrora, antes de mim,
Dum cais; se não deixei, navio ao sol
Oblíquo da madrugada,
Uma outra espécie de porto?
Quem sabe se não deixei, antes de a hora
Do mundo exterior como eu o vejo
Raiar-se para mim,
Um grande cais cheio de pouca gente,
Duma grande cidade meio-desperta,
Duma enorme cidade comercial, crescida, apopléctica,
Tanto quanto isso pode ser fora do Espaço e do Tempo?

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Álvaro de Campos

4 comentários:

  1. Tenho uma cassette, coisa que já nem se usa com este poema gravado, dito por mim.
    Para a semana vou oferecê-la a uma Amiga Verdadeira.

    Rico, é quem chega, como eu,ao fim da vida, sem nada mas.... com amigos.

    Bem Hajam!

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  2. minha reverência ao Senhor Àlvaro de Campos...(re)li encantada.

    beijos

    della

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  3. eu vinha aqui para lançar uma "corda" para ajudar a sair dos poços que conheces, mas nos quais por vezes cais... mas estava enganado (e ainda bem) quem tem amigos não precisa de mais nada...

    beijo sereno e bom fim de semana pró-longoooo

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  4. *
    como ressoa,
    um espelhado,
    de pessoa !!!
    ,
    conchinhas, minhas
    ,
    *

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